Antropologia Moderna
Macho com B maiúsculo
Flávio Borgneth
Fred Flintstone, Don Juan,
Pergunta complicada num castelo social onde o príncipe encantado não possui cavalo branco, bolso cheio e olhos azuis.
Muito pelo contrário. No cenário atual, o novo macho tem uma aparência bem menos arrumadinha e, para a felicidade das mulheres, cuida dos filhos, lava, passa e chora.
Emoções
O homem de hoje é beta, segunda letra do alfabeto grego que representa o mundo das emoções, exatamente o oposto de alfa, a primeira letra. Enquanto o alfa usa sua força, garante a caça e lidera o grupo; o beta segue o bando e não faz questão de participar do clube do bolinha.
Numa novela das oito, ele seria aquele cara sensível, próximo aos filhos. Um sujeito capaz de priorizar a família, assumir serviços domésticos, e não se incomodar em estar em um nível profissional abaixo de suas esposas. Raridade?
Você que pensa. Esse biotipo é filho da crise que culminou na transformação do sexo masculino e hoje pode ser encontrado aos montes.
Segundo o psicólogo clínico especialista
Eles cuidam da casa, e elas cravam o salto alto no mercado (veja pesquisa na página ao lado). Tudo isso porque o modelo patriarcal e o velho "super- macho -provedor-protetor-fanático-por-futebol" perdeu a força depois dos 30 anos de emancipação feminina, e – cá entre nós – queda do futebol carioca.
EVOLUÇÃO
"Essa ascensão beta é sinal de evolução não só para os homens, mas também para as mulheres. Antes, o homem era criado para depender da mãe e da esposa. Ele não podia cuidar dele mesmo. Já a mulher era criada para depender do homem, que iria sustenta-lá e resolver problemas práticos. Essa mistura atual faz com que as pessoas se tornem independentes, evoluídas e amadurecidas", defende.
Ou seja, se antes os moços exigiam mulheres independentes, carinhosas e mãezonas, hoje, admiram a mulher que corre atrás do que quer. Em contrapartida, as moças bem sucedidas não querem apenas homens que discutam, mandem, e ganhem dinheiro. Elas desejam companheiros que as apóiem, compreendam e façam supermercado.
Com tantos pontos positivos, é claro que os betas não se importam em receber esse rótulo. Afinal, se os alfa querem poder, eles preferem as mulheres.
Enquanto a mamãe não vem
Era justamente com a compra do mês que Denílson Casagrande, 40, se ocupava minutos antes dessa entrevista. O lado beta desse representante comercial se aplica principalmente ao filho caçula, o pequeno Gabriel. Há um ano e quatro meses, essa dupla toma banho de praia e passeia para esperar a mamãe chegar do trabalho. Como Kamila Corrêa tem uma agenda profissional menos maleável que a do marido, ele acabou tomando conta dos afazeres da casa.
"Ele brinca que é melhor dona de casa do que eu. E é. Não é fácil ser profissional, mãe, mulher e dona de casa. Ainda bem que posso dividir isso com ele. Acho que no mercado e em casa, a coisa tem que ser igual", afirma a administradora, de 28 anos, que não gosta de falar muito do marido para "não dar inveja".
Denílson cozinhou durante toda a gravidez da esposa. Com a chegada de Gabriel – e da babá –, hoje seus afazeres gastronômicos estão mais brandos. Mas não abre mão de levar o café para a mulher na cama, fazer as mamadeiras, e inventar algo gostoso nos fins de semana.
Tanta atividade tem recompensa: "A primeira palavra que Gabriel disse foi 'pai'. Fico muito com ele. É um privilégio ter um trabalho que me proporcione tanto tempo com minha família", diz ele, que é um exemplo típico do macho beta.
Saiba mais
O macho BETA não teme
1. Assumir o fracasso
2. Pedir perdão
3. Chorar em público
4. Dizer "eu te amo"
5. Cuidar dos filhos
6. Cozinhar, lavar e passar
Um macho BETA nunca
1. Vai sofrer por não ser o melhor em tudo
2. Cai em depressão por ser mantido pela mulher
3. Engana a companheira por diversão
4. Depila o peito
5. Briga na rua
6. Olha-se no espelho o tempo todo
Já o homem ALFA é conservador nas relações e bem-sucedido no trabalho
1. ControladorComanda as situações e geralmente não quer dividir esse poder com ninguém.
2. Provedor Trabalha muito e ganha bem. Quer encontrar a casa sempre arrumada e o jantar na mesa.
3. Senhor da casaAceita que a mulher trabalhe fora, mas nem sempre topa dividir os afazeres domésticos.
"Homem provedor já era"
Dá fome bater um papo com Walace Roberto dos Santos. O engenheiro químico enche a boca para contar da sua receita de moqueca e carne no bafo. Detalhe: foi ele que ensinou sua esposa, Simone, a cozinhar. É bom frisar que ele é homem beta de fins de semana. Como assim? Nos sábados e domingos ele dá "férias" à esposa e assume tanto o fogão quanto a limpeza da casa. "Não basta só ser homem provedor, isso já era! Eu trabalho e estudo, mas sei que as tarefas dela são tão desgastantes quanto as minhas. Por isso, nada mais justo do que eu ajudar nos fins de semana. Esse revezamento faz um bem enorme ao nosso relacionamento. Ela me elogia, e eu fico realizado".
Preconceito pode acabar com o êxito da família beta
Um exemplo simples (e preconceituoso) mostra como esse vírus social ultrapassado pode desfocar o lado positivo desse novo modelo.
Imagine a cena: o marido prepara o jantar para a esposa, que volta tarde do trabalho. Ao chegar, ela pode tanto saborear e se encantar com a gentileza, quanto pensar que é ela quem está pagando por toda aquela chique refeição.
Do outro lado da mesa, o marido também tem dois caminhos. Pode se sentir realizado por não precisar dos símbolos comuns de status masculino, ou inferiorizado por não ser o maior benfeitor financeiro do penne com molho funghi que preparou enquanto ligava para a sogra ficar com o "júnior". Cabeça de gente é fogo.
De acordo com a psicóloga Kirlla Dornelas, a possibilidade de conflito mora justamente nessas expectativas individuais em relação ao parceiro.
Reação do filho depende dos pais
Os filhos também entram nessa ciranda de funções sociais. A reação deles, perante as funções assumidas pelo pai e mãe, valida (ou não) essa matemática familiar.
E, de acordo com especialistas, como a criança depende do modelo paterno para aprender a se emocionar e resolver problemas, os filhos podem crescer invertidos. Na hora de se emocionarem, são práticos. E, na hora de serem práticos, se emocionam.
"Ser criado por pais que desenvolvem o lado afetivo e prático pode ser ótimo, mas tudo dependerá de como o pai é visto pela mãe. Se o clima for de harmonia, os filhos podem ter um desenvolvimento emocional completo. Essas crianças podem se tornar adultos capazes de observar o que outros não observam", salienta o psicólogo clínico especialista
O que ocorre no sexo
Teoricamente, as mulheres sentiriam mais atração sexual pelo macho alfa. Algumas ainda têm dificuldade de ver virilidade na fragilidade masculina, e o desejo sexual diminui. Felizmente, essa imagem tem mudado. Especialistas garantem que a sensibilidade do beta pode aproximar o casal, e alimentar a intimidade e o desejo.
Aposentadoria também pode causar transformação
Hoje, Oswaldo Oleari se divide entre livros, discos, forno e fogão. Há quem brinque que essa salada começou faz tempo, no famoso (e extinto) Britz Bar – lá, o nome do jornalista era o sobrenome do lombinho acebolado no cardápio. Mas, na verdade, a paixão pela cozinha veio um pouco mais tarde. Oleari começou a cozinhar aos 64. Não que faltasse vontade ou sobrasse preconceito. O problema era o tempo.
Felizmente, a aposentadoria chegou em 2000 e trouxe outras manchetes – como os sapatos esquecidos pelos filhos na sala. "Em uns poucos períodos a Lena (esposa) ficou em casa, mas nós dois sempre trabalhamos. Hoje, sou eu que fico".
Pelo menos durante o dia. À noite, ele é o anfitrião do Dom Oleari, nome de seu boteco, que reúne amantes de um bom petisco e da boa música. Um mistura perfeita.
Lugar de homem é em casa
Não é novidade que o ditado machista de que "lugar de mulher é em casa" foi literalmente banido dos dias modernos. Atualmente, os saltos altos estão acima dessas miudezas e marcando o tapete dos corredores das grandes empresas. A notícia nova é outra. Hoje, mais do que nunca, "lugar de homem é em casa".
Aliás, números indicam que o homem brasileiro tem muito de beta. Veja ao lado o resultado de uma pesquisa realizada pelo Ibope. Os dados foram obtidos em três mil entrevistas feitas entre 3 e 9 de setembro desse ano. Foram abordados homens maiores de 18 anos nas dez principais regiões metropolitanas do país.
Números
50% os pais deixariam o trabalho para cuidar da casa e dos filhos.
90% deles garantem ter capacidade de fazer isso sozinhos.
70%realizam tarefas domésticas.
66% se encarregam do supermercado
50% acham a cozinha o lugar mais importante da casa.
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