Morrer desaparecendo

Alzheimer.
Parece-me a mais cruel doença, é contagiosa.
Sofro com esse mal que aflige alguém que amo.
Morro a cada dia, um pouco, de diversas formas, mas quando morro junto com ela, é que sinto mais dor..
Sentir que ela sente os medos de sua infância, eles retornam implacáveis, os traumas da juventude que voltam com a força de acontecer no dia anterior, como é possível admitir justiça divina nisso? Apagam-se os atenuantes que a faziam suportar as dores da sua história.
É algo que mói meus órgãos sentir que ela procura uma palavra para algo, e simplesmente não a encontra. Ver seu olhar perdido no espaço, quando constata que desaprendeu a definição de alguma coisa quando não consegue completar uma frase, faz-me sentir, do alto de todo o meu conhecimento, o mais inútil.
Não gostaria de vê-la morrer nunca, mas presenciar essa morte vagarosa do cérebro, até que alguém tão consciente assuma uma condição vegetativa é demais para mim.
Essas suas transformações, transformam também, profundamente a mim. Perco a cada dia a confiança no quão infalível podemos ser, o meu cérebro, o meu corpo. A minha fé em qualquer coisa, se foi há muito.
Parece uma punição, retirar a vida assim, devagar. Incapacitando como uma tortura que poda um pedaço de si a cada dia.
Seus olhos profundos falam dos meus, na foto de sua cabeceira. Aquele garoto de olhos vivos, agora é um homem, quase um velho, que morre todo dia, com a senhora, Vovó.



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