lembranças de uma mente brilhante


Em frente a cama de vó tem uma fotografia minha, de quando eu tinha cinco anos.
Nesse dia, eu estava sentado ao seu lado, no quarto e ela comentou:
- Mas ele é bonito não é?
- Quem vó?
- Marcos, meu neto, ele tem olhos muito bonitos.
Eu concordei e brincando para estancar a angustia que me preenchia, perguntei:
-Onde ele está, vó?
-Não sei...! Respondeu ela, com ar de tristeza e saudade.
Eu continuei perguntando coisas como se não fosse o alvo daquelas observações:
-A senhora tem saudades dele, né vó?
Ela assentiu silenciosa.
Sem segurar mais o que me esmagava eu disse:
-Ele está aqui vó!
-É? Ele chegou? Onde tá, esse "semvergonho" que não veio falar comigo?
-Tou aqui vó, sou eu, é que estou um pouco mais velho...
Ela com olhar de espanto e um pouco desconcertada sorriu em silêncio e disse:
-Não, você não está velho, filho.
Sei que ela não me reconheceu, apenas acreditava em mim. Meus olhos rasos davam-me credibilidade, e ela não contestou como sempre.
Talvez eu não devesse dizer que ela estava enganada, mas não suportei, numa breve memória
de mim, num passado-virtual-presente, que ela pensasse que eu não a estava acompanhando.
Na solidão de uma mente sem lembranças, seria cruel demais deixa-la acreditar que
havia sido esquecida por alguém que ela amava.
Sem ter Alzheimer, eu consigo sentir essa dor, de ser esquecido por alguém que amo.

de "Um Romance Sobre Alzheimer"

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