como se fosse a primeira vez


Quando eu era um garoto ouvia as pessoas falando, quando eu andava com minha avó ou avô pela rua: "está caducando com o neto, fulano?" E eu associava isso a uma coisa boa, quem não adorava estar com os avós? Mais na frente eu ouvia em tom não muito simpático, alguém referir-se a um idoso que ele "estava caducando", quando não estava mais em suas plenas capacidades cerebrais.

Bem agora eu percebi que "caducar" é estar com Alzheimer. O Mal de Alzheimer tem, a meu ver, um nome forte e até elegante... Entretanto só quem conviveu com o tal mal, para saber o quanto ele pode ser cruel.

As pessoas que são portadoras, esquecem de coisas básicas, como andar. E vão esquecendo tudo...

Esquecem da vida, da frente para trás, as coisas que aprendeu mais recentemente, as pessoas que conheceu ultimamente, as reformas da casa, até pensar que aquela casa em que viveu os últimos sessenta anos, e com sessenta anos de reformas, não é a sua casa, pois a sua casa era aquela, comprada a seis décadas.

Sua altoimagem é a de antigamente, ver-se no espelho ou fotografia pode ser muito deprimente, chega-se a pedir para retirar fotos ou espelhos de perto. As pessoas queridas também são lembradas com o rosto de anos atrás e agora, com as "reformas" do tempo, não são reconhecidas. 

Pode-se esquecer do que comeu há meia hora e mais, esquecer que comeu! Perder a noção do tempo, perceber que alguém que não se reconhece é alguém que se ama, mas como explicar-se isso?

Somos aquilo que nos referencia no mundo, somos aquilo que sabemos e julgamos ter: relações, amigos, vizinhos, conhecimentos. Se perdermos isso que nos liga ao mundo, e recebermos em troca, uma vaga referencia e com o crescimento do Mal, um vazio, o que nos resta?

As vezes, minha avó, pergunta-me, por eu mesmo. Sabe que sou seu parente, mas não reconhece meu rosto, sem ver-me sabe que minha voz é de quem ela ama e fica tentando atribuir-lhe pessoas, parentescos, geralmente de pessoas que lhe foram muito caras em outros tempos, como um irmão preferido, um grande amor da juventude.

Muitas vezes pergunta-me por algo que me perguntou a dez minutos, e volta a fazê-lo dez, vinte vezes, principalmente se for algo importante e que clama por uma resposta que nunca é gravada definitivamente. Como se fosse a primeira vez, dá a mesma entonação na pergunta, a mesma preocupação com uma resposta, como se ninguém a tivesse explicado algo, volta a indagar, sobre se alguém está, ou se alguma tarefa foi feita.

As vezes fica injuriada por receber cuidados especiais, pois esquece que está debilitada fisicamente, sente o orgulho ferido, que por sinal não some, pois foi uma mulher forte, independente, a frente de seu tempo e não aceita ser cuidada, como um bebê. Deprime-se quando percebe a debilidade, pois não sabe o porque de estar assim.

Talvez a única coisa que seja menos ruim seja esquecer das ofenças, das últimas tristezas como a morte de um irmão. Mas mesmo as coisas ruins e tristes nos constituem. 

E por aí vai, cinquenta primeiros encontros, todos os dias dos dias que lhe resta. É uma morte da pessoa (persona) em vida. Algo mais cruel que o próprio afastamento dos que ama, trazido pela morte. 

Descobri que o Sr. Alzheimer esqueceu de falar que o tal mal atinge mais que a minha avó, percebi que vendo-a assim, eu também morro um pouquinho (sei que falo por minha irmã e por todos que a amam), pois na medida que ainda estou vivo, levo toda a tristeza que minha avó poderia sentir se conseguisse lembrar-se do mal que tem.




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What is that?

Cast: Father: Nikos Zoiopoulos | Son: Panagiotis Bougiouris
Directed by: Constantin Pilavios
Written by: Nikos & Constantin Pilavios
Director of photgraphy: Zoe Manta
Music by: Christos Triantafillou
Sound by: Teo Babouris
Mixed by: Kostas Varibobiotis
Produced by: MovieTeller films

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